Hoje vamos abordar um assunto muito pesado, mas que afeta todos nós, investidores ou não, que é a possibilidade de Terceira Guerra Mundial, que segundo a Rússia, se houver, será Nuclear.
Eu conquistei em 2005 o meu Mestrado em Tecnologia Nuclear para Materiais, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, IPEN, um órgão federal ligado ao CNPq e à pós-graduação da USP, Universidade de São Paulo. E depois em 2008 me aprofundei como Operador de Mercado Financeiro, pela antiga FIA-USP, hoje apenas FIA, e sigo nesta trilha desde então. Por isso vou abordar estes dois assuntos juntos hoje.
Já dei minha opinião sobre o acidente Nuclear de Fukushima, no Japão, e seus efeitos nos mercados financeiros alguns anos atrás,
leia aqui.
Aqui eu pretendo mostrar impactos econômicos e também físicos, explicando o que ocorre se houver explosões atômicas.
Primeiro, por que esse assunto veio à tona e por que a Rússia invadiu a Ucrânia? Para nós, no Ocidente depois do Oceano Atlântico, fica uma imagem da Rússia como um personagem de séries americanas de TV, que até pouco tempo atrás já estavam se dedicando mais à China como uma ameaça “nova”. A retórica de “países inimigos” reflete uma disputa por poder e influência e os seus dividendos econômicos derivados. São disputadas em um terreno oculto para as pessoas comuns. Então é comum você perceber que as pessoas não entendem por que houve invasão, ou o que a Rússia pretende com isso ou ainda por que EUA e Europa estão reagindo, basicamente com sanções econômicas, aos desejos de conquista russos.
Você deve aceitar que “poder e influência” são objetivos por si só. E que os países ditos “potências mundiais” querem o máximo que conseguirem disso. Seria o equivalente a ganhar mais dinheiro na vida de uma pessoa comum, quanto mais dinheiro você ganha, melhor você e sua família podem viver (teoricamente). Para os países é a mesma coisa, quanto mais poder e influência sobre outros países, mais conforto para a vida da sua população e de seus governantes. É isso que motiva as disputas, que após a Segunda Guerra Mundial foram levadas para ambientes de ameaças (Guerra “Fria”, pois não há luta corporal) e comerciais, pois pela primeira vez na história da humanidade, todos os lados possuem acesso a um armamento capaz de destruir o planeta todo. A Bomba Atômica.
Se eu não brinco, ninguém brinca.
Sabe aquele menino que é o dono da bola e que a pega e vai embora se o seu time estiver perdendo? Esse é um sentimento que pode explicar os dias de hoje. Com tantas potências bélicas, todas querem desenhar um risco no chão e dizer que dali pra dentro só eles mandam, só a bola deles é que pode ser usada no jogo. EUA e Europa, aliados oficialmente pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) possuem a sua esfera de influência cheia de países, a Rússia também criou a sua e idem para a China. Desde a desintegração da União Soviética, a OTAN vem avançando sobre território que a Rússia considera como “a sua esfera de poder e influência” e, hoje, vários países que um dia fizeram parte da União Soviética já fazem parte da OTAN, como Lituânia e Estônia, vizinhas da Rússia.
Nos últimos 30 anos a Rússia se reorganizou, aceitou as perdas de influência causadas pela ruína da União Soviética e traçou uma nova linha no chão, demarcando seu novo território de influência e quer que todos respeitem esse limite. E dentro desse território está a Ucrânia. Mas nos últimos oito anos a Ucrânia, que é um país soberano, se recusa a fazer parte dessa esfera russa de influência e quer integrar a União Europeia e a OTAN. E diferente de Suécia e Finlândia que não aceitam fazer parte da OTAN justamente para não entrar em atrito com os russos, a Ucrânia vem se aproximando da OTAN de forma constante, obrigando a Rússia a: OU aceitar a perda de influência (o que seria uma derrota em muitas frentes com vários desdobramentos de longo prazo); OU fazer valer sua vontade pela força, no caso, usando o exército. Esta última opção foi a escolhida pelo presidente russo Vladimir Putin.
Não é à toa que na primeira rodada de negociações a Rússia exigiu duas coisas, a rendição da Ucrânia e a garantia de afastamento da OTAN. Até aqui isso não foi aceito.
A Ucrânia está na Europa, ela não faz parte da União Europeia e nem da OTAN, mas fisicamente ela está no continente europeu. E os países europeus ainda se lembram muito bem das mazelas da segunda grande guerra e temem que algo como aquilo ocorra novamente. Isso gerou um apoio maciço da Europa à Ucrânia, muito embora a Europa seja dependente da Rússia, que é o segundo maior produtor de petróleo no mundo, para geração de energia (aproximadamente um terço da energia usada na Europa vem do gás natural e do petróleo russos). E os EUA, como líderes da OTAN, buscam ampliar sua influência e estão vendo nesta guerra uma oportunidade de excluir o máximo possível a Rússia, seu antigo inimigo, da sua zona de influência. E para isso estão lançando bombas financeiras, as sanções econômicas.
Note que o Putin pediu para seu exército ficar em alerta para uso das forças nucleares faz alguns dias, logo após as rodadas de sanções econômicas se intensificarem. Isso por que um dos motivos que a própria Rússia declarou que pode justificar um ataque nuclear é uma ameaça à existência do estado russo. Na linha de raciocínio de que, se a Rússia não faz parte do mundo, para que existir mundo?
E as sanções econômicas podem fazer muito mais estrago que uma bomba. Mas não a bomba atômica, que continua sendo o porrete mais forte que existe, e é por isso que a Rússia já levantou o seu.
As sanções não afetam as exportações de energia da Rússia e nem a suspensão de instituições financeiras russas (até o momento) do sistema internacional de pagamentos, o
SWIFT, vai impactar a transferência dos pagamentos de energia. O custo para o mundo todo de tirar a Rússia do fornecimento de energia será enorme e ninguém sabe ao certo quão enraizados os mercados estão com essa dinâmica. Parece que vamos descobrir conforme as coisas forem se desenrolando e temos que lembrar que em 2020 foi esse o mesmo cenário que se desenhou com o Coronavírus. Uma ameaça, que vira uma realidade distante, que vira uma realidade local, que traz incerteza em níveis tão altos que todos querem liquidar seus ativos e guardar seu dinheiro em local “seguro”. E isso traz quedas fortes nas bolsas e mexe de forma imprevisível com os mercados de câmbio.
Só faz uma semana da invasão russa na Ucrânia, mas isso já tomou nossos pensamentos em um nível alarmante, e o primeiro passo antes de vender um ativo, às vezes um que você vem carregando por décadas (como anunciou ontem o bilionário
russo dono do Chelsea), é criar um plano na sua cabeça. E não tenham dúvidas, hoje, 03 de Março de 2022, muita gente que controla muitos ativos está com a cabeça travada em pensamentos cíclicos calculando como se proteger. Sabendo que, quem vender primeiro, perde menos. Mas sabendo também que se você se antecipar a algo que não vai ocorrer, você perde mais. Em linguagem popular, uma “sinuca de bico”. E neste cenário, para quem vê de fora, parece que está tudo bem, porque não há grandes movimentações no mercado, apenas mais volatilidade. Mas não está tudo bem, essa é a calmaria de antes de uma possível tempestade (invertendo o ditado popular que diz que depois da tempestade é que vem a calmaria).
E não pense que é fácil ser um gênio das finanças, porque gente limitada tem em todos os lugares e assim que alguém começar a vender posições grandes de ativos, estando essa pessoa (ou pessoas) certa ou não, a dinâmica muda, os participantes do mercado adicionam variáveis às suas projeções e, chegando à conclusão que “não sabem o que concluir”, vendem. Isso significa que se uma saída rápida desta crise não ocorrer, um novo
Stock Market Crash pode chegar em questão de poucas semanas.
Esse “parece” que é o grande risco para nós, investidores ocidentais, que estão longe da Ucrânia. Mas os europeus temem outro risco gigantesco, que é uma bomba atômica sendo usada em seu território, que com as retaliações pode gerar uma devastação física e humanitária sem precedentes, que vai agravar muito o cenário econômico que citei anteriormente, mas que também pode gerar danos, talvez definitivos, a toda a população mundial.
O Inverno Nuclear
Escrevi esse título e minha espinha arrepiou. Estudei o assunto para o meu mestrado, como citei no começo do texto, e entendo bem como essa força funciona.
Radioatividade é uma coisa espontânea em alguns átomos instáveis (isótopos), por exemplo, o
Urânio 235. Cerca de 0,72% de todo o Urânio no planeta é radioativo por natureza. O Urânio é um átomo enorme, gigante, também chamado de metal pesado, como o chumbo, e tem aplicações reais, como ser usado, na sua versão não radioativa (Urânio 238), em blindagens de tanques de guerra, por exemplo.
Você já deve ter ouvido falar em Urânio “enriquecido”. Este termo refere-se a um processo, que pode ser químico ou físico, de aumentar a quantidade de Urânio 235 em uma dada quantidade de Urânio metálico (Urânio 238 não é radioativo). Cada átomo de Urânio 235, quando quebra (o que é chamado de fissão do Urânio, daí o termo fissão nuclear, por que quebra o núcleo do Urânio ou outro átomo instável) gera dois (ou mais) novos átomos de elementos químicos distintos e solta, em média, 2,5 nêutrons no processo (junto com muita energia de todas as formas possíveis, térmica, radioativa, eletromagnética entre outras). Cada nêutron voando por aí é capaz de quebrar outro átomo de Urânio 235, o que gerará mais 2,5 nêutrons voando por aí e quebrando mais átomos instáveis e assim por diante. O Urânio 238 não quebra, então pra ter reação em cadeia (e explodir) precisa ter bastante Urânio 235 no local da reação.
Se houver poucos átomos de Urânio 235 próximos, os nêutrons liberados acabam não atingindo outros átomos e podem ser parados ou absorvidos de outra forma. Se cada átomo que quebrar não conseguir quebrar mais de um outro átomo, então a reação morre, exatamente igual a lógica de “achatar a curva” de transmissão da Covid-19.
Mas dá pra controlar essa reação em cadeia. Por exemplo, uma liga metálica de
Prata-Índio-Cádmio é conhecida por ter propriedades absorvedoras de nêutrons e é usada para controlar reações de fissão nuclear em reatores de usinas nucleares. O percentual em que o Urânio 235 aparece dentro do Urânio 238 (novamente, estável e não radioativo) de apenas 0,72% não é capaz de gerar uma reação em cadeia de fissões nucleares na natureza. Porém se “enriquecermos” (aumentarmos) a quantidade de Urânio 235 a destes 0,72% para “apenas” 2,5%, já teremos uma reação em cadeia que libera tanta energia e de forma tão rápida, que causa uma explosão, assim como a dinamite. Mas se ela for liberada aos poucos, ela libera energia térmica, assim como a queima de combustíveis fósseis (carvão, gás natural, gasolina etc) e o sistema que controla o tempo da fissão nuclear em cadeia, que modera nêutrons usando água pesada (deutério) e ligas absorvedoras de nêutrons, é o que chamamos de Usina Termo Nuclear.
A Usina Termo Nuclear é um aparato de tecnologia de ponta cujo objetivo é controlar a velocidade da queima das pastilhas de Urânio enriquecido, gerando calor controlado que aquece o vapor faz girar turbinas e gera energia elétrica. Por ser uma quantidade absurda de energia, usinas relativamente “pequenas” geram quantidades enormes de energia e resolveram o problema energético de muitos países que não possuem hidroelétricas e outras fontes de combustível fóssil para gerar energia termoelétrica por combustão simples. Por exemplo, a Alemanha não quis aderir à produção de energia termo nuclear de forma mais intensa, e para gerar energia elétrica compra o gás natural russo, que chega por meio de oleodutos que passam pela: Ucrânia.
Chernobyl era uma usina nuclear
na Ucrânia, que falhou em reduzir a velocidade da fissão nuclear do seu combustível de Urânio. A reação saiu do controle e liberou tanta energia que derreteu a própria usina e começou a vazar para a atmosfera (e mesmo depois de décadas, ainda vaza até hoje).
Se você ainda não está convencido do poder de contaminação da radioatividade, saiba que hoje, no Século XXI, todos os nossos alimentos são contaminados com radiação dos testes nucleares. Garrafas de vinho envasadas antes da era nuclear, no começo do Século XX, são artefatos históricos que possuem líquidos sem contaminação radioativa em seu interior, todo o resto que você compra e come todos os dias, possui uma minúscula quantidade de contaminação radioativa devido ao solo do planeta inteiro já estar contaminado com radiação proveniente dos testes nucleares feitos por décadas após a Segunda Grande Guerra.
Agora a bomba.
Uma bomba atômica faz exatamente o inverso de uma usina termonuclear, ela inicia uma reação de fissão nuclear de Urânio 235 altamente enriquecido (aqui ele precisa ser mais de 95% do total de Urânio) e não quer controlar a velocidade da reação, o objetivo é a liberação quase imediata de todo o Urânio 235 possível de uma só vez. Isso gera uma liberação de energia tão gigantesca que destrói tudo no seu caminho por quilômetros. A maior bomba atômica já testada (publicamente divulgada) chegou a devastar, imediatamente, uma área de 100 Km de diâmetro, muito mais que as bombas de Hiroshima e Nagasaki, que foram bombas pequenas perto das existentes atualmente. E essa grande foi testada pela Rússia.
O lançamento de uma bomba atômica, por mais forte que seja, não acaba com o mundo. EUA e Rússia já detonaram várias bombas em seus desertos, a céu aberto (isso mesmo, Hiroshima e Nagasaki não foram as únicas bombas atômicas a explodir na superfície do nosso planeta), para estudar a destruição que elas causam e entender como controlar melhor os objetivos deste artefato. A Coreia do Norte já fez testes recentes também, desta vez subterrâneos, para mostrar que tem essa arma. As comprovações de que os testes realmente foram realizados são feitas medindo os abalos sísmicos que eles causam. Sim, detonar uma bomba atômica no subsolo causa, em um certo grau, um pequeno terremoto.
Mas se a Rússia tem 1800 bombas prontas para lançamento HOJE, o que ocorre se ela jogar, digamos 100 bombas na superfície do planeta?
Vou responder com um exemplo. Pense em um vulcão. Pouco tempo atrás um vulcão entrou em erupção e jogou tanta fuligem na atmosfera que vôos comerciais precisaram ser cancelados, causando uma espécie de caos aéreo mundial por alguns dias. O efeito de várias bombas atômicas disparadas juntas seria semelhante. Uma camada de fumaça grossa de centenas de quilômetros vai subir acima das nuvens e bloquear a luz do Sol, causando o mesmo efeito que o meteoro que extinguiu os dinossauros centenas de milhões de anos atrás, nos deixar meses, talvez anos, sem a luz solar até que essa nuvem radioativa seja dissipada. Sem a luz do Sol, plantações se perderão, a fome chega e por mais que tenhamos tecnologia para criar comida de outra forma, não produziremos rápido o bastante para alimentar a população de todo o mundo. A população humana será reduzida drasticamente e o mundo como conhecemos não existirá mais. Perdas financeiras nos mercados serão o menor dos problemas.
Então, não é bom excluir a Rússia do mundo e nem ameaçar a existência do estado russo, mesmo que “apenas” com sanções econômicas. Pois esse é um motivo pelo qual os russos vão usar armas nucleares. Se quisermos sobreviver, nós humanos, precisamos estar todos inclusos no planeta e todos conformados com nossas esferas de influência, assim como com as esferas de influência dos outros.
Esperança
Eu quero terminar esse texto com uma mensagem de esperança. Uma coisa é ameaçar fazer algo ruim, outra coisa é ir lá e fazer. Da mesma forma, uma coisa é ameaçar ser o estopim do fim da humanidade, outra coisa muito diferente é apertar o botão vermelho e explodir o mundo. Quanto mais nos vemos pensando sobre isso, mais temos medo dessa opção, ninguém quer isso, não importa em qual parte do mundo está. Em algum momento as conversas vão baixar de tom e um acordo será feito, a Rússia voltará a ser incluída parcialmente na vida ocidental, conseguirá fazer um “risco no chão” (e provavelmente vai conquistar uma parte do território da Ucrânia para chamar de seu), o que será respeitado pelo resto do mundo e a nossa vida voltará para a rotina. Pelo menos até o próximo capítulo. Eu acredito que o melhor ocorrerá, vamos manter a calma e esperar que o melhor ocorra, como já ocorreu tantas vezes no passado.